
Felicidade?
Felicidade?
Todos aspiramos à felicidade. Mas como conseguir ser feliz quando há sofrimento e mal-estar à nossa volta?
Na viragem pela qual todos estamos a passar, a descoberta de novos valores e a dissolução de outros torna-se uma exigência para todos os que quiserem dar continuidade à aventura que acompanha a nossa vida como seres humanos.
Estamos a aproximar-nos, cada vez mais, do fim de uma linha de crenças, hábitos, atitudes e verdades que, a cada dia, se vão desfazendo, para darem lugar ao vazio que a perda do conhecido nos deixa. Um vazio que nos amedronta, mas ao mesmo tempo desafia a ir mais além, dentro de nós, onde enfrentamos a crença de que, provavelmente, não haverá mais nada para ver, sentir e descobrir…
Mas será mesmo que já demos tudo o que tínhamos para dar?
Quando falamos em ir para dentro, para muitas pessoas é como se estivessem a ouvir uma frase surda, sem sentido, que as conduz ao nada e à frustração de ir à procura de um destino interior que não encontram e, por isso, consideram que nem existe.
Durante muitas dezenas de anos, mesmo séculos, a viagem ao centro do ser humano foi negada e mesmo ridicularizada pela cultura ocidental que substituiu a necessidade que todo o ser humano tem de se encontrar em si mesmo, pela estimulação exterior, cada vez mais intensa, acompanhada por ondas gigantescas de ofertas e a criação virtual de necessidades, nunca antes sentidas.
Para que a estimulação exterior tivesse impacto e sustentabilidade foi preciso investir em toda uma máquina de criação de pensamentos e emoções que condicionassem a mente humana a crenças e pontos de referencia associados aos interesses da oferta que, então, foi ganhando terreno. Os media passaram a servir esse canal de interesses e os seres humanos foram-se deixando hipnotizar pelo brilho de todos os novos produtos e facilidades de acesso, que cresce, a cada dia.
Todos nós estamos a ser chamados à razão. A vida conhece o caminho para o equilíbrio da experiência humana, sustentada, impulsionada, esquecida e adormecida nos braços do condicionamento maciço do coletivo e ao qual a mente se deixou submeter. Culturalmente acreditamos que o que se passa lá fora nada tem a ver connosco, no sentido de que não depende de nós para ser o que acreditamos que ser a verdade do que vemos.
O efeito dramático da compulsão inconsciente para responder e reagir à estimulação exterior é que com ele, perdemos o contacto connosco e passámos de seres conscientes, a mentes hipnotizadas sem poder pessoal para acordar do marasmo em que caímos.
Os últimos acontecimentos desencadearam um processo de regeneração dos seres humanos. A bem ou a mal todos precisamos de rever a maneira como olhamos para o que nos rodeia mas, sobretudo, a maneira como lidamos com quem somos.
O regresso ao contacto interno com a consciência de quem realmente somos, para além de toda a estimulação exterior, dos montes de pertences que acumulamos e dos hábitos que alimentam a alienação pessoal, pode redimir-nos desse desvio que fizemos como humanidade, perdendo-nos nos seus muitos meandros de desempoderamento.
A perda de emprego, o desfazer das relações pessoais, as dificuldades financeiras, a corrida ao fazer para poder ter mais e comprar mais brinquedos, o que se usa ou está na moda, respondem pela percentagem, cada vez maior de pessoas doentes, estejam ou não a ser medicadas.
A mente humana está doente, enferma de desconexão com o âmago de si mesma.
Usamos o exemplo exterior como uma justificativa para sermos ou estarmos infelizes ou sermos impotentes para resolver a nossa vida. Uma das fortes consequências da grave dependência ao exterior é termos criado personalidades completamente enfeudadas à vitimização.
Ser vítima acompanha o espírito da dependência e do desempoderamento.
Os grandes interesses, por detrás desta revolução de consumo para o garantirem, ensinam-nos a criar necessidades que, de facto, não temos, para que possam garantir a fidelidade dos mercados.
O que não fazem as pessoas para acompanhar a constante avalanche de produtos e modismos?
É importante tomarmos consciência de que são as necessidades que acreditamos ter que nos colocam numa situação de dependência, a qual articula a relação de poder entre os que suprem a necessidade e os que a sentem.
As necessidades são a mola para nos impulsionar na direção da sua satisfação.
É preciso estar bem consciente de si mesmo para não se deixar enredar pela sedução aparente das crenças e pontos de vista que nos fazem crer que precisamos de algo, tornando-o uma necessidade. Muitas das nossas aparentes necessidades não são verdadeiras. São uma ilusão que nos mantém reféns de quem ou do que parece ser a sua satisfação.
Quanto mais precisarmos de … mais dependentes nos tornamos. Quanto mais dependentes … mais vítimas nos sentimos à mercê de …. Estar à mercê de …. gera a condição de vítima, caso não possamos saciar as necessidades ou desejos.
Perceção de necessidade/falta/ausência ——– Dependência do objeto ou dos meios externos para a satisfação da necessidade (somos felizes apenas, se satisfizermos a necessidade)
O processo de dependência cria uma relação de força entre o que dá/oferece/tem e o que não tem/não pode/não sabe.
Uma vez a necessidade acreditada, aquele que tem, exerce um poder sobre quem acha que não tem, pois quem tem está acima do que não tem.
Como o que não tem não pode fazer nada para satisfazer a necessidade, o que tem passa a ser o responsável pelo que não tem. Assim, o que não tem, torna-se servo ou vítima do que tem. Sendo vítima, o que não tem, perde-se completamente para si mesmo e para o seu poder pessoal.
Sem poder pessoal acredita que não pode/sabe encontrar os meios para a realização das suas verdadeiras necessidades, sem dependência ou perda de se si mesmo.
O que é que muda quando o ser humano faz o regresso a si mesmo? Tudo.
Como? Para sair do hipnotismo em que muitas mentes se encontram é preciso que quem quiser levar a sua liberdade a sério:
– Tome consciência do hipnotismo em que vive e de como está dependente do mundo exterior para se dar valor e sentir bem consigo.
– Tome consciência de como é um dependente emocional de pessoas, coisas, situações, hábitos e de todo um passado bem conservado com as suas constantes investidas para justificar o sofrimento atual.
– Perceba a relação de forças entre si e os que " têm".
– Detete o quanto as necessidades que julga ter, são de facto, na sua maioria, descartáveis …
– Avalie o grau de disponibilidade para reverter este sistema interno para se abrir à viagem de regresso a si mesmo.
A única pessoa que pode dar resposta a estas questões é o próprio. Investir no queixume e na evidencia do mal exterior para justificar a sua pequenez, é querer manter-se no espaço de vítima, contando que o seu sofrimento suscite a culpa ou a pena dos outros e que assim, a vida lhe ofereça uma porta de saída …
Culturalmente acreditamos que o caminho para a solução passa por sofrer, pois o sofrimento é visto como o passaporte para que a vida nos traga a compensação.
Crenças trágicas:
– Sofrer é bom.
– Quem sofre merece ajuda.
– Os maus estão contra os que sofrem. Ignoram-nos, são insensíveis e cruéis.
– Só o sofrimento nos dá merecimento para algo melhor. Os que têm poder são os maus.
– Os bons são aqueles que são fracos e não têm.
– Ser fraco é ser solidário com os que nâo têm/não podem e isso é bom.
– As virtudes estão nos coitados, nos que não têm, nos pobres, nos infelizes.
– Os defeitos estão nos que têm, nos ricos, nos capazes, nos felizes.
Amigo leitor. Avalie até que ponto existem crenças destas em si, no mais fundo de si.
Apanhe-se a queixar-se como uma vítima, a pensar em si como um dos que não tem, a olhar para outros ou para as instituições como os que têm o poder sobre si e veja o que é que vale a pena reformular.
Para quê? As coisas não vão mudar … só porque eu penso de forma diferente. Será?
Pois bem, amigo leitor. Saiba que pode estar a assumir uma condição de vítima, mais uma vez… O mundo lá fora não tem o poder para nos retirar a felicidade ou o bem-estar. É preciso entender melhor qual a relação entre o seu mundo de dentro e o mundo que se vê. O mundo exterior é uma resposta ao seu mundo interior. Tão simples quanto isso.
Como é que o amigo leitor acha que a crise se vai resolver? Como é que ela se desenvolveu? Será que as atitudes, os valores, as crenças e pontos de vista daqueles que tanto contribuíram para o desabar da economia mundial não tiveram um papel nesta conjuntura?
Para resolver a situação não será necessário criar novas mentalidades, valores e diretivas de prioridades e criação de projetos com sustentabilidade? De onde vêm essa mudança? Dos que têm? Acredita que o que têm são melhores, numa sociedade rodeada de coitados de mim?
Para sermos felizes não podemos assumir uma atitude que nos desempodere.
O mundo não pode ser a fonte da nossa felicidade ou bem-estar.
O mundo que vemos, reflete o mundo que alimentamos cá dentro. É preciso mudar por dentro para criarmos todos, tanto ao nível individual, como coletivo, uma matriz de novas possibilidades que se venham a tornar mais e mais fortes, pela partilha de muitas pessoas ligadas em ideias mais criativas e inteligentes, que não o simples e contínuo queixume e crítica.
Ser feliz é possível quando o mundo à nossa volta desaba?
Eu perguntaria antes: ser feliz é possível quando vemos o mundo lá fora a desabar? Se o vemos a desabar, há algo em nós que se sente a desabar. Há trabalho a fazer…
A Felicidade colhida do mundo oferece-nos uma condição temporária de satisfação de necessidades ou realização de desejos. Vem e vai.
A Felicidade colhida de dentro vive connosco e torna-se parte integrante da nossa vida.